UMA CARTA DE MOACY CIRNE
Moacy Cirne[1967]


Rio, 10/09/67

Anchieta:

São três horas da manhã e acabo de chegar da casa do Álvaro, onde discutimos demoradamente o signo e o ôlho. Seu entusiasmo por esses poemas é total, principalmente pelo ôlho (prefiro o signo, como já mandei dizer, em artigo, pro Dailor). Em relação a ele, eis as palavras textuais (e finais) do Álvaro: Esse poema é 10 vezes superior ao LIFE de Décio (a comparação deve-se ao fato de seu poema também partir dos problemas da verticalidade e horizontalidade). Além do mais, Álvaro fez uma observação muito curiosa: o ôlho tem um efeito rotativo, que principia na primeira estrutura e se completa na última, fechando-se em torno de seu próprio eixo temático. Ele concordou inteiramente comigo quando observei que o 1822, o ôlho e o signo são os maiores poemas do nosso movimento, até o momento. Anchieta, de uma coisa tenho certeza: pela primeira vez, de Jorge Fernandes a Juliano, a poesia norte-rio-grandense atinge uma dimensão nacional. De que adiantaria aquela angústia provinciana que nos dominava até dezembro do ano passado, quando demos o nosso salto promultigramático? Seríamos eternamente subdrummondianos e subcabralinos. Agora, não: a poesia concreta – e mais recentemente a experimental – abriu perspectivas até então inexploradas. Vocês agora poderão criar, experimentar, inventar livremente, sem preconceitos e preceitos (não se preocupem, inclusive, com a teoria da poesia concreta, já temos a teoria da guerrilha artística e poderemos, nós mesmos, construir as nossas teorias),  sempre partindo do marco-zero da invenção. Novos processos e novas linguagens é o que, sinceramente, espero de vocês. Wlademir, contrariando Mallarmé, tem razão: poesia se faz com idéias e não com palavras, o que vale dizer: idéia + ação + inventiva = linguagem = processo = poesia. Não estou, com isso, condenando a palavra, mas afirmando que ela deve funcionar dentro do espaço criado pela estrutura do próprio poema. Exemplos: o solida, o signo, o luxo, o ôlho, o 1822.
Deixemos de lado as masturbações críticas. A nossa luta não admite provincianismos sentimentalistas. Mário de Sá Carneiro, mais do que Fernando Pessoa já era um experimentador . Godard vem por aí: Made in USA (dia 30). Pretendo fazer a revisão de Pound: está me parecendo que ele é menos importante do que os meninos de S. Paulo demonstraram afinal, além do método ideogramático, o que resta dele? O discurso: O verso longo: Pound é mais importante como teórico e tradutor.
Voltando ao ôlho: vai para a nossa revista. Por motivos econômicos será reproduzido em apenas uma página. Esperamos que você compreenda as nossas dificuldades. Avise ao Dailor que signo também será publicado.
Outrossim, o  ôlho, juntamente com signo, irá para a minha Antologia. D. Ilma receberá instruções nesse sentido. Idealizei o seguinte: uma separata de 8 páginas, em tamanho reduzido, encaixada depois do edifício. O problema é a arte final, que poderá ser resolvida de duas maneiras: 1) 8 clichês sobre os desenhos ampliados e bem realizados; 2) a arte final diretamente na tipografia. É indispensável a assistência gráfica do Nei. Discuta o caso com ele e com Dailor.
Bom, vou terminar por aqui: já são mais de 4 horas e o sono é um
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                                                                                                         sem fim: