O SISTEMA E AS ABERTURAS REVOLUCIONáRIAS
Moacy Cirne[1967] Cada nova experiência, quer seja poética quer seja literária, deve
trazer em seu interior a formulação de um novo processo. Ou, pelo
menos, deve levar as ultimas conseqüências o processo inaugurado
anteriormente. É o caso de James Joyce, de “Ulysses” a “Finnegans
Wake”. Já o nosso Guimarães Rosa, revolucionário em “Grande Sertão:
Veredas” e “Meu Tio, o Iauretê”, parou com “Primeiras Estórias”
(exceção: Famigerado)
e “Tutaméia”. Depois de “Meu Tio, o Iauretê”, que radicalizara o
processo, e “Famigerado”, que apresentara uma abertura semântica,
“Tutaméia” é uma triste repetição da linguagem Roseana – é um marcar
passo no mesmo processo informacional.Todo artista de
vanguarda, se não quiser cair no erro de um Guimarães Rosa (que acabou
aceitando o seu próprio sistema operatório), precisa ser um
guerrilheiro (Décio Pignatari:
Teoria da Guerrilha Artística)
e lutar pela lógica do consumo (Wlademir Dias-Pino). A luta
vanguardista no campo da arte, da poesia, da literatura, assemelha-se à
guerra de guerrilhas. Senão vejamos: “Precisamente porque é uma luta de
massas, e a mais radical de todas, a guerrilha tem necessidade de
reunir em torno dela,
politicamente,
o maior número de classes exploradas para triunfar militarmente.(...)
Os métodos revolucionários penetram o povo à medida que se radicalizam”
(Régis Debray,
Revolução na Revolução).
“Em relação à guerra clássica linear, a guerra de guerrilhas é uma
estrutura móvel operando dentro de uma estrutura rígida, hierarquizada.
Nas guerrilhas, a guerra se inventa a cada passo e a cada combate num
total descaso pelas categorias e valores estratégicos e táticos já
estabelecidos. Sua força está na simultaneidade das ações: abrem-se e
fecham-se frontes de uma hora para outra. É a informação (surpresa)
contra a redundância (expectativa)” (Décio Pignatari,
Teoria da Guerrilha Artística).
E
sabemos que na obra de arte, na poesia, na prosa, para que haja
informação estética tornam-se necessárias – segundo Max Bense – a
imprevisibilidade, a surpresa e a improbabilidade da ordenação de
signos (a síntese, o equilíbrio geômetra, o acabamento técnico, a
invenção e a surpresa – Oswald de Andrade, em 1924). E mais: “A
situação nova, métodos novos. Quer dizer, adotar, por engano ou por
tradição, formas de ação que não são as próprias do novo contexto, leva
a casos fatais” (Régis Debray, obra citada). Poderemos dizer o mesmo em
relação à poesia, por exemplo. Assim compreenderam os poetas concretos
e experimentais. Assim compreendeu Jean-Paul Sartre: “... do mesmo modo
que a física apresenta aos matemáticos problemas novos que os obrigam a
criar um novo simbolismo, as exigências sempre novas do social ou do
metafísico impõem ao artista a necessidade de encontrar uma linguagem
nova ou técnicas novas” (
Que é a Literatura?).
Diante
de um sistema bem comportado, burguesamente aceito, clássico em
essência e existência, faz-se urgente e necessário o caminho que leva
às aberturas revolucionárias, que serão superadas a cada novo lance de
dados. Poetas e críticos precisam participar da mesma luta comum –
guerrilheiros em combate contra as velhas linguagens.
“A
aceleração do processo de informação e comunicação vai arrebatando os
sistemas lineares e instaurando sistemas de informação instantânea, que
tendem à implosão (compressão da informação, síntese) assim como os
primeiros tendiam à explosão e à expansão”. (M. McLuhan e Décio
Pignatari)
Revista Ponto 1, Rio de Janeiro, Ponto, 1967.